Começa o mês de fevereiro e as famílias
agricultoras que vivem no Semiárido brasileiro alimentam a expectativa de todos
os anos: que as chuvas possam chegar ainda no primeiro trimestre para garantir
o estoque de água para beber, cozinhar, para o plantio, a colheita e a
dessedentação animal. As previsões de institutos de meteorologia e dos profetas
das chuvas do Semiárido, que se reúnem anualmente no município de Quixadá, no
Sertão cearense, para analisar os sinais da natureza e dos animais são de que
será um inverno tardio com a chuva chegando somente em março.
Os profetas que detêm o conhecimento popular
observam a natureza e os fenômenos que se repetem, já acertaram com a previsão
de que a chuva não cairia no Sertão no mês de janeiro. Um dos profetas da chuva
do município de Quixadá, Ribamar Lima, de 66 anos, faz essa previsão desde
1958. Aprendeu a interpretar os sinais da natureza com a família, quando tinha
10 anos. Ribamar afirma que os animais sabem muito mais que homens e mulheres
quando se trata de interpretar os sinais do tempo.
“Se você vir um ninho de rolinhas [pássaros] no
leito de um rio pode ter certeza que não irá chover. As rolinhas levam 28 dias
para eclodir. A rolinha não iria arriscar em deixar o ninho ali. Já a
caranguejeira quando começa a andar é porque vai chover. As formigas também, se
elas começam a se movimentar é sinal de chuva”, revela. Segundo o profeta a
primeira lua cheia desse ano saiu limpa, não tinha preparação para chuva. “A
partir de abril vai haver recarga dos açudes, mas não deve ser um inverno tão
criadouro”, afirma.
Para o ano de estiagem vivido em 2013, as
possibilidades de chuva e de um inverno melhor já animam o povo do Semiárido.
As previsões meteorológicas de órgãos de pesquisa, como o Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (INPE) é de que para o primeiro trimestre há 40%de
probabilidade de chover na média, 25% acima da média e 35% abaixo. Para os
últimos anos de estiagem essa se mostra uma das melhores previsões de chuva.
Na avaliação do coordenador do Programa Uma Terra e
Duas Águas (P1+2) da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Antonio Barbosa,
chover 40% na média é uma das melhores previsões para o Semiárido, quando
comparamos aos últimos anos de seca. “Olhando para as duas histórias [profetas
da chuva e institutos de pesquisa do Brasil] a perspectiva é de que chove, mas
isso deve atrasar um pouco. Precisamos de chuva de janeiro a maio. Se tivermos
o primeiro trimestre sem chuva vamos ter um prejuízo grande. Outra coisa importante
de observar é levar em consideração duas variáveis: espacialidade e
temporalidade”, explica.
Em se tratando de espacialidade, a chuva poderá vir
de forma diferenciada no Semiárido. Por exemplo, nessa primeira semana de
fevereiro já choveu nos municípios de Bezerros e Caruaru, Agreste do estado de
Pernambuco. Enquanto na região de Juazeiro, município baiano, houve chuvas no
final de novembro e início de dezembro do ano passado. Em janeiro ainda não
houve precipitações. Enquanto a questão temporal reforça o fato de que pode
chover num determinado lugar muito mais, e passar um tempo sem chover em outras
regiões.
No Semiárido baiano, a agricultora Clemilda Soares,
de 39 anos, da comunidade de Pau Preto, no município de Juazeiro, comemora a
chuva que caiu no final do mês de novembro e em dezembro do ano passado. Embora
tenha chovido não significa que o inverno tenha chegado no final de 2013.
Segundo Dona Clemilda fazia três anos que não via chuva na região. A
cisterna-enxurrada de 52 mil litros, que armazena água para produção de
alimentos e criação animal foi reabastecida. Assim como a cisterna de 16 mil
litros, que também está com água estocada para beber e cozinhar. Mesmo que o
inverno não chegue nesses primeiros meses do ano, a agricultora garante que poderá
aguar a horta onde cultiva coentro e alface e dar água para as cabras, galinhas
e porcos que cria.
“Aqui em Pau Preto vivem 60 famílias, quase todas
têm cisternas. Se não existisse essas cisternas não morava mais ninguém aqui.
Eu já sou agraciada, mas tomara que essa chuva chegue. Porque com a chuva
chegando eu quero plantar cenoura, quiabo e maxixe”, conta Dona Clemilda.
Para Barbosa, pode-se avaliar que o Semiárido está
saindo de um ciclo de seca aguda, mas essa saída ainda não está totalmente
caracterizada. É possível que em alguns locais haja mais chuva, com mais
produção de alimentos para as famílias agricultoras. Enquanto em outras regiões
as famílias ainda podem sofrer com a estiagem. “Esse tipo de chuva na
perspectiva de encher os reservatórios será importante. Quem tem barreiro,
cisterna-calçadão e um conjunto de outras tecnologias a tendência é ter
recarga. Se tiver um período de veranico, a produção, sobretudo a cultura de
sequeiro [milho e feijão, muito comum na região] estará comprometida. Isso para
algumas regiões”, disse o coordenador do P1+2.
Entre os ciclos de chuva na região semiárida, o estado de Pernambuco compreende o espaço onde as chuvas começam a cair no final de dezembro, início de janeiro e fevereiro, podendo seguir até maio. A agricultora Joelma Pereira, do Sítio Pedra Branca, no município de Cumaru, Agreste pernambucano, conta que choveu dias 03 e 04 deste mês, mas foi uma chuva ainda considerada pouca para encher os reservatórios. Porém, já é água para dar um alívio à terra, às plantas e diminuir o calor. "Tem chovido pouco aqui em Cumaru. Mas a pouca chuva que caiu conseguimos guardar e deu para alimentar as galinhas, por exemplo. As pessoas mais velhas estão bem confiantes, eles dizem que este será um ano bom de chuva, tanto é que no ano passado comentaram a importância da gente guardar as sementes para plantar este ano, porque vai chover”, fala Joelma.
A agricultora guardou três espécies diferentes de
sementes de milho, três tipos de fava e quatro tipos de sementes de feijão. A expectativa
de Joelma agora é que as chuvas sejam contínuas para iniciar o plantio
diversificado, para encher as cisternas e cuidar dos animais e das plantas.
Em 2014, no campo estruturante a ASA deve
intensificar a sua ação para quando a chuva chegar poder armazenar a água.
“Esperamos que nesse ano de 2014 tenhamos boas chuvas em todas as regiões do
Semiárido brasileiro. Estamos ampliando as nossas parcerias e é importante
destacar que são parcerias com a Petrobras, MDS (Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome) e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social). Então a ASA com a ampliação do Programa Uma Terra e Duas Águas e com a
continuidade do Programa Um Milhão de Cisternas vem garantido um conjunto de
tecnologias, que vai permitir que o agricultor/a possa captar água da chuva e
tendo isso é viver com tranquilidade e com dignidade no Semiárido brasileiro”,
conclui a coordenadora executiva da ASA pelo estado de Pernambuco, Neilda
Pereira.
XVIII Encontro Estadual dos Profetas das Chuvas - Foi realizado no mês de janeiro, no Parque
de Exposições da Associação de Criadores de Caprinos e Ovinos do Ceará
(Acocece), em Quixadá. Participaram homens e mulheres observadores/as dos
sinais da natureza. A maioria prevê um ano bom para plantar, enquanto outros
apostam na escassez.
Texto : Ylka Oliveira - Foto: Ana Lira/ Ascom
Asa
Disponível em www.asabrasil.org.br/
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